quinta-feira, 30 de junho de 2011

DIÓGENES VISITA ALÉCIA

O Astro Rei estava totalmente encoberto por espessas nuvens negras.

Do céu, incessantes e finos pingos d'água teimavam em cair sobre Alécia.

Estávamos  -  eu e Adalta  -, nos dirigindo ao aeroporto com a intenção de recepcionar um amigo vindo de muito longe.

Ainda no saguão, avistamos Diógenes no aguardo da liberação de sua bagagem.

Do lado de fora, pudemos ouvir a voz rouca do Diógenes dirigindo-se a um funcionário do estabelecimento:

- Cuidado! - Tem coisa frágil aí dentro... pode quebrar!

Adalta e eu nos entreolhamos e devemos ter pensado juntos:

- "Deve ser a tal lamparina!"

Eu mal podia acreditar!  Em pouco, estaria diante de duas das mais expressivas e probas figuras da Grécia Antiga: Adalta, a Espiritualizada e Diógenes, o Filósofo que dedicou a vida na busca de um homem honesto, com sua lamparina!

E o que era mais importante: poderia dialogar com elas!

Assim que ultrapassou a porta que separa a sala de desembarque do saguão, o ex-discípulo de Antístenes acenou em nossa direção.


Nos aproximamos para recebê-lo...

- Olá, Adalta  -  disse Diógenes  -  Esse daí deve ser o Alethea de quem você tanto fala!
- Seja bem-vindo, Diógenes de Sínope. - disse Adalta, acrescentando  -  Sim, este é o grande Alethea!

- Olá, Alethea!

- Como vai filósofo...!

- Tudo bem... mas, não me chame assim! - exclamou Diógens  -  Você já viu filósofo mendigando nas ruas e morando dentro de um barril?!

É que o Diógenes de Sínope, depois de ter deixado a companhia de Antístenes, passou a perambular pelas ruas de Atenas e Corinto, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Sua casa era um barril.


- Ora! mas isso é uma opção que qualquer um que esteja contrariado com os rumos da sociedade pode tomar, como forma de protesto! Ninguém, em sã consciência, deve cruzar os braços diante da corrupção! -  Tentei justificar.

- É, você tá certo! Quando se está impotente diante de uma situação dessas, só resta o protesto!  - assentiu Diógenes.

-  Mas, deixemos os problemas atenienses pra lá! vamos ao que interessa neste momento...  -  disse Adalta, com certa ansiedade  -  O que o traz aqui em Alécia, Diógenes?

- Você não vai acreditar!  Ganhei duas passagens aéreas e a estada de uma semana no Brasil! Foi num concur...


- Mas, por que a escolha de Alécia?! - interrompe Adalta.


- Andei lendo alguns contos de um escritor local muito conhecido por lá... Jorge..., acho que é esse o nome!

- Ah! o Jorge Amado!  -  exclamou Adalta.

- Sim, esse mesmo!

- Olha!  talvez você não saiba, mas, o "Contador de Estórias" já silenciou! Ele agora está morando eu outro lugar!

Disse e completei, perguntando:

- O que você espera encontrar por aqui?!

- Oh! quem sabe... algum outro homem honesto!  Se não um escritor... quem sabe, um político!

- Hummm...! por isso que você trouxe sua famosa lamparina, né!?

- Ah!  você conhece a história, Alethea?

- Como não!?

- Bem... é isso... vou aproveitar o tempo passado aqui em Alécia para iss..!

- Pois vai perder seu tempo!  -  interrompeu Adalta, com certa rispidez.

E foi completando:

-  Aqui, você vai gastar todo o gás de sua lamparina e não irá iluminar uma fronte sequer de um honesto! Muito menos, se for político!

- Ma...  -  tentou ponderar Diógenes.

- E tem mais, caro Diógenes, em Alécia também não tem estátuas...! Ou melhor, tem somente uma... a de uma protistuta grega chamada Sapho. Não sei se você a conheceu por lá!

Como eu não estava entendo a razão de Adalta ter se referido a estátuas, perguntei:

- Adalta, e onde é que entra estátua nessa história? Diógenes só deseja encont...

Adalta  -  interrompendo-me  -  apressou-se em explicar:

- Uma vez, em Atenas, nosso amigo Diógenes foi visto falando com uma estátua... e quando lhe perguntaram o motivo de tal conduta, ele respondeu: 


"Por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém."
Levamos o Diógenes até a pousada indicada pela agência de turismo e, antes de nos ausentarmos, aproveitamos para deixar um conselho ao nosso ilustre visitante:

- Diógenes, sugerimos que você aproveite todo o seu tempo livre para descansar, tomar banhos de mar e provar da culinária local.  - disse Adalta.


Adalta ainda fez outro alerta:


- Tenha cuidado com a lixarada e os ratos que podem ser encontrados nas ruas!  Não queremos que você volte para Atenas cheio de doenças!

- É... quando for a um barzinho ou restaurante, peça uma caipirinha!  -  completei.

Adalta, mais uma vez, alertou: 


- E nem pense em ir a "Tabocas das Pedras Pretas"! Essa província vizinha a Alécia não é diferente!  A canalhice e a esaculhambação também reinam por lá!

- Nem utilizando todo o combustível do Gasene na sua lamparina, você encontrará um honesto em Alécia ou Tabocas! Especialmente, se for no meio político!  -  dissemos juntos.


E o nosso filósofo Diógenes de Sínope seguiu nossa recomendação ao pé da letra.  

Curtiu o quanto pode as belezas de Alécia e nem retirou a lamparina da bagagem!

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