sábado, 25 de junho de 2011

AFLITO NA INVÁLIDOS

Naquele dia não iríamos direto para Bonsucesso.

Tínhamos combinado nos encontrarmos na Rio Branco para, dali, comparecermos a um setor do Detran-Rio, que ficava na mem de Sá.

Saí do Quartel-General dos Fuzileiros Navais, na Ilha das Cobras, um pouco mais cedo.  Quando cheguei à Rio Branco, Adel, que trabalhava num órgão da Marinha ali próximo, já me aguardava.

Tomamos, a pé, a direção da Mem de Sá.  

Era uma quarta-feira de final de mês e o pagamento só sairia dali a dois dias.  Precisávamos economizar até com o transporte.

Começamos a caminhar em ziguezague: Mayrink Veiga, Marechal Floriano, Antigo Ministério da Guerra... Dali, era preciso atravessar a Presidente Vargas, com suas quatro pistas...  Naquela época, ainda não havia a passagem subterrânea do Metrô.  A travessia tinha que ser entre os carros, esperando que ou o sinal da Uruguaiana ou o da Central do Brasil fechasse, para dar uma aliviada no trânsito.

Chegamos ao outro lado... Contornamos a  Praça da República, cruzamos a Frei Caneca e ganhamos a Rua dos Inválidos.  

Mal demos os primeiros passos na Inválidos, em frente à Irmandade de Santo Antonio dos Pobres, nos deparamos com um homem sentado na calçada.  Com um recipiente de coleta de doações ao lado, rogava ajuda em dinheiro.

Eu e Adel nos olhamos... Nossa grana estava contada para as passagens até Bonsucesso naquele dia e no dia seguinte, nos delocamentos de casa para o trabalho e vice-versa.

Igreja de Santo Antonio dos Pobres
Sem titubear, Adel abaixou-se, ficando de cócoras ao lado do pedinte e engatou conversa com ele.  

Fiquei em pé, ouvindo.  

No seu relato, o homem disse que havia perdido todo o interesse pela vida depois da morte da mulher e de dois filhos no incêndio ocorrido no ano de 1961, na cidade de Niterói, quando muitas pessoas morreram pisoteadas e queimadas.

Disse ser advogado e que antes da tragédia, possuía um escritório nas proximidades da estação das barcas com uma grande clientela.

Adel era um seguidor da Doutrina Espírita, por isso, sabia perfeitamente como agir em situações como aquela. Colocou uma das mãos no ombro do homem e disse-lhe primeiramente que não estava em condições de ajudá-lo financeiramente naquele momento. Que seus entes queridos desencarnados no episódio narrado, estavam certamente vendo-o naquele estado e preocupados com ele.  Que os espíritos de sua esposa e filhos, certamente sofriam em vê-lo naquela situação e sentiam-se impotentes por nada poderem fazer para consolá-lo. Que ele precisava repensar sua decisão e retomar a vida como antes, pois era o que mais seus entes queridos na espiritualidade desejavam.

O homem, segurando com ambas as mãos uma das mãos de Adel, agradeceu-lhe e não conseguiu impedir que algumas lágrimas escapassem de seus tristes olhos.

Antes de partirmos, disse que somente o fato de termos parado para dar-lhe atenção já valia muito mais do que toda a ajuda financeira que pudesse receber.  Que ninguém nunca havia se abaixado para falar com ele;  muito menos tocado-o com as mãos. Afirmou que a maioria das pessoas que por ali passava, sequer lhe dirigia um olhar. Quando muito, jogavam uma moeda no coletor e seguiam em frente.

Deixamos o homem.  Adel ainda alertou-o no sentido de que pensasse no que lhe havia dito.

No cruzamento com a Mem de Sá, dobramos à direita, fazendo mais uma perna do ziguezague que começamos desde a Mayrink Veiga.

Assunto resolvido no Detran, voltamos à Presidente Vargas por outro caminho. Em frente à Central do Brasil, tomamos a condução para Bonsucesso, onde morávamos.

No dia seguinte, quinta-feira, tudo transcorreu dentro da normalidade.  Fomos e voltamos do trabalho.

Na sexta, era dia de pagamento.  A rotina no aquartelamento foi "solecada" para que pudéssemos passar nas agências bancárias antes de irmos para casa.

Contudo, tínhamos, mais uma vez que ir ao Detran. Dessa feita para o recebimento da Carta de Habilitação que Adel estava renovando. 

Encontramo-nos no mesmo local da quarta e seguimos na direção da Mem de Sá.  Dessa feita, não estávamos mais "duros"; estávamos "estribados", como se dizia no Rio para quem está com alguma grana no bolso.

Decidimos ir a pé, fazendo o mesmo itinerário.  Nossa intenção, mais do que tudo, era reencontrar o homem da rua dos Inválidos.  Como agora estávamos "estribados", podíamos ofertar-lhe uma pequena ajuda financeira. 

Assim que ganhamos a esquina da Inválidos com a Frei Caneca, espichamos o olhar bem à frente.  Queríamos ver se o pedinte ainda estava ali. 

Não, o homem não mais se encontrava naquele local!  Sentimos um misto de decepção e alegria.  Decepção por não podermos ajudá-lo e alegria por acharmos que ele tinha atendido ao apelo de Adel e dado um novo curso em sua vida.

Ficamos com o segundo pensamento.  Ele nos deixava mais satisfeitos do que a oportunidade de ter oferecido algumas moedas ao nosso amigo.

Praça das Nações - Bonsucesso
Naquela sexta-feira, nossa satisfação foi tanta que  chegamos à Praça das Nações em Bonsucesso e fomos diretamente à nossa pizzaria preferida, na Avenida Nova Iorque. Queríamos degustar uma saborosa pizza de mussarela, a especialidade da casa.

Assim que o garçom que sempre nos atendia apareceu, Adel disse: 

"Estamos comemorando a vitória de um amigo!" "Traga aí a melhor pizza de mussarela que você tiver!"


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