quinta-feira, 30 de setembro de 2021

FAL, MEU INSEPARÁVEL AMIGO!


FAL, MEU INSEPARÁVEL AMIGO!

Era começo dos anos 70... eu já estava morando no Rio.  O dinheiro do meu velho avô que vinha da Bahia tinha "criado asas".  Suas fazendas de cacau haviam sido penhoradas por um banco onde ele tinha pegado uma grana para custeio e não pode pagar.  E aqui, na Cidade Maravilhosa, eu era "custeado" pelo velho Cazuza, meu avô.

Foi assim que tive a oportunidade do primeiro contato com FAL. Um conhecido meu, que era Fuzileiro Naval, me disse: "Cara, por que você não entra pra Marinha?"  "É melhor do que voltar pra Bahia, com uma mão na frente e outra atrás!"  

Até que a idéia não era tão ruim assim... pensei.  

Seguindo a orientação do amigo, no dia 7 de abril de 1970, ingressei nas fileiras do Corpo de Fuzileiros Navais.  -  os "pragas amarelas", como eram conhecidos pelo pessoal da "Marinha de Gola".  Não sem antes realizar um concurso, claro.  A concorrência já era grande naquela época!

Assim que cheguei no Batalhão, passei por toda aquela transformação "natural" que faz um "paisano" virar "milico". Como (quase) todo mundo conhece a sutileza do processo não vou perder tempo contando. 

Não demorou muito e eu fui apresentado a FAL. Seu nome completo de batismo era Fuzil Automático Leve. Sua nacionalidade belga e seu calibre 7,62 milímetros.  Jamais imaginei que iria ter um amigo estrangeiro tão depressa no Rio.  E o que era mais importante, eu deveria mantê-lo permanentemente nas mãos, no ombro ou cruzado junto ao peito, próximo ao coração.  Isso, quando estivesse em vigília, pois, quando  dormindo, deveríamos dividir a mesma cama (beliche).  

Esse meu mais novo e inseparável amigo tinha características muito próprias: 1,10 metros de estatura, da soleira da coronha à ponta do cano,

A amizade por FAL foi tanta, que decidi ficar nas fileiras dos "pragas amarelas" por 30 anos. Porém, nesses 30 anos, tive que cometer algumas infidelidades com o amigo. Com menos de um mês, me apresentaram INA, uma brasileira que "vomitava pombos" mais rapidamente do que FAL. INA  era uma submetralhadora dengosa e, também, toda pretinha.  Seu nome era derivado de "Indústria Nacional de Armas". Mas, tinha uma mania que eu não gostava: engasgava de vez em quando, especialmente, quando tinha que "transar" uns balaços com maior rapidez. Quando eu enfiava o dedo de forma mais acentuada em seu ponto "G", ela sempre "travava".

Não demorou muito, e eu fui sendo apresentado a outras...  

Meu amigo FAL ficava um pouco enciumado, mas, não tinha jeito... Fazia parte da vida dos "pragas amarelas", conhecer e flertar com todas aquelas beldades.  Podia precisar se safar com uma delas num momento de sufoco, quando a "jiripoca piasse". E, naqueles tempos bicudos, no Rio, a "jiripoca" sempre "piava"!  

Tempos depois, fui obrigado a conhecer COLT 45.  Uma balzaquiana, nascida nos Estados Unidos, que provocava grande impacto entre os fuzileiros, pois o calibre de seu "alimento" era mais grosso, e, quando botava pra fora, fazia estragos irreparáveis. 

COLT 45 fora a amante preferida dos oficiais aliados durante a 2ª Guerra Mundial.

Depois vieram outras apresentações, novos amigos e novos amores. Armas como FAP -  Fuzil Automático Pesado  -; THOMPSON, uma "menina" fabricada nos EUA e que rivalizava com  INA, dentre outras, como as de grosso calibre, como os Morteiros, os Canhões Anti-Carro e os Lança-Rojões. 

Aconteceu o momento de ser apresentado a BERETTA. BERETTA era muito charmosa, carregava 15 "bombons" de uma só vez e possuía dupla-ação.  Ela veio pra desbancar COLT 45, que tinha uma idade avançada, mas não reinou por muito tempo. Foi logo substituída por TAURUS PT92AF,  lindíssima garota gaúcha, do Rio Grande. Também "engolia" e "cuspia" 9 milímetros, tinha a mesma capacidade de BERETTA e também funcionava em dupla-ação.

Ah, ia esquecendo...   Também tive um caso amoroso muito sério com MAG, quando fui do Pelotão de Petrechos.  MAG  -  a Metralhadora Automática a Gás   - esse  era seu nome completo. Pesadona e muito eficiente. Tinha a mesma nacionalidade de FAL e FAP  -  a Bélgica.  MAG possuía um impresionante poder de  "fogo"  -  até mil "azeitonas"  em um minuto!  Acima de tudo, era versátil. Deixava-se possuir em várias posições: a tira-colo, nos momentos de assalto, ou confortavelmente acomodada sobre um tripé, nas situações de defensiva. 

Nesses 30 anos nos "pragas amarelas", tive muitas "amantes", mas nunca abri mão da amizade com FAL. É que, muito cedo, descobri que FAL era o único que não me deixava "na mão"... Não "negava fogo" nem mesmo quando as circunstâncias eram altamente desfavoráveis: depois de mergulhado na água ou mesmo recoberto de lama...  FAL estava sempre pronto para o que desse e viesse...

Mesmo depois que fui apresentado e tive um leve contato com AR-15 e AK-47  -  espécie de primos carnais mais novos de FAL  -, não dei muita bola pra eles.  Havia uma grande amizade entre mim e FAL. Nada podia mudar isso.  Tinha com ele uma extraordinária consideração.  Além disso, FAL  confiava plenamente em mim e eu nele.  Mexia sem cerimônias em todas as suas partes.  Éramos tão amigos que eu o desmontava e montava em poucos minutos e até com venda nos olhos. Percebia suas peças apenas pelo tato; retirava-as e as colocava no lugar. Além disso, perdemos a conta das vezes que dormimos no mesmo bivaque, na mesma barraca, dentro d'água, no meio do mato...  Passamos pelos mesmos perigos... Juntos... sempre juntos! Quantas vezes guardei-o entre pernas, outras preso pela bandoleira, às vezes a tira-colo, enquanto dormia!? O medo de sermos surpreendidos um longe do outro era maior do que tudo, por isso o chamego. E, naquelas circunstâncias, um sem o outro não era nada! Chegamos a uma tal intimidade que, quando eu o mandava acertar o centro do alvo, ele não me decepcionava... era mosca na certa!  A sinalização que vinha lá do  fosso onde ficavam os alvos indicava: cinco pontos em cada disparo! Nunca demos "banho de areia" nos marcadores que ficavam abrigados nos pés dos alvos da Linha de Tiro. Por isso, minha mãe nunca era xingada por eles. Meu FAL foi responsável por me tornar um atirador de "1ª Classe" e respeitado nas fileiras dos "pragas amarelas". Hoje, meu amigo, você  -  caso ainda não tenha se "aposentado", como eu  -  deve estar em outras mãos...  Espero que bem cuidado, como antes... na base do óleo lubrificante nas quantidades certas nas partes móveis e bem sequinho, com flanelas e varetas, na alma raiada!


Souza Neto

terça-feira, 28 de setembro de 2021

SOBRE A DOR

 SOBRE A DOR


Atendendo aos ditames vigentes nesses dias em que ainda se convive com uma invisível e mortal criação humana - nesta bela terça-feira em que o Sol nos brindou com com seus raios vivificantes e cheios de energia -, preparava-me para ir até a orla de São Pedro da Aldeia para a costumeira caminhada matinal apreciando a lâmina d'água da maior laguna de água salgada do planeta  - a Lagoa de Araruama. 

Abro parênteses para dizer que nos anos 70, quando fazia o curso de Educação Física, aprendi com o Kenneth Cooper que "a vida é oxigenação". Aqui, em San Pierre di la Vilage, caminhar na orla da lagoa é uma das melhores opções para se oxigenar pulmões e tecidos musculares.  

Antes de sair - e enquanto Gilma se aprontava -, dei uma remexida nos livros que ficam numa estante e - quase que por acaso -, peguei o clássico de Gibran Khalil Gibran, O Profeta. Um livreto de pouco mais de cem páginas.

O Profeta já fora um dos meus livros de cabeceira em tempos idos.

Quem o leu, sabe que a história se passa praticamente na praça de um burgo conhecido pelo nome Orphalese onde um homem sábio (Al Mustafa) que vivera no lugar cerca de pouco mais de dois lustros, havia decidido deixá-lo e estava prestes a embarcar no navio que o levaria de volta à sua terra natal.

Antes de chegar à  praça e estar entre a multidão, o Profeta conversa consigo mesmo:

"Como poderei partir em paz e sem tristeza?"

"Todavia, não posso tardar mais. O mar que tudo chama a si, está me chamando, e eu devo embarcar."

Na sua caminhada em direção ao porto, viu ao longe homens e mulheres deixando seus campos e vinhedos e apressando-se rumo às portas da cidade. E ouviu vozes chamando o seu nome e outros anunciando a chegada do navio.

Uma vez mais, o Profeta, introspectivo, perguntou-se:

"O que oferecerei àquele que deixou o arado no meio do sulco, e a quem paralisou as atividades de sua vinícola?"

Tão logo entrou na cidade, todas as pessoas vieram ao seu encontro.

Cercado pela multidão, na praça central da cidade e enquanto aguarda a chegada do navio, Al Mustafa dispõe-se a responder as perguntas do povo de Orphalese.

Folheando ligeiramente a brochura, lembrei-me que entre as vinte e seis respostas dadas pelo Profeta havia uma em que ele respondia sobre a dor.

Devido aos momentos em que vivenciamos com o vírus chinês, busquei esse capítulo, cujos trechos a seguir transcrevo.

"E uma mulher disse: Fale-nos da dor.
 
E ele respondeu:

 "A vossa dor é o quebrar da concha que envolve a vossa compreensão."
 
"Assim como o caroço da fruta tem de fender-se para que o seu coração fique exposto ao sol, também vós deveis conhecer a dor."
 
"E se conseguísseis maravilhar-vos com os milagres diários da vossa vida, a vossa dor não vos pareceria menos intensa do que a vossa alegria; e aceitaríeis as estações do vosso coração, tal como haveis aceite as estações que passam sobre o vossos campos."
 
"E passaríeis com serenidade os invernos das vossas mágoas."
 
"Muita da vossa dor é escolhida por vós.  É a poção amarga com a qual o médico dentro de vós cura o vosso interior doente."
 
"Por isso confiai no médico e bebei o seu remédio em silêncio e tranquilidade; pois a sua mão, embora dura e pesada, é guiada pela mão terna do Invisível, e o cálice que ele vos dá, embora possa queimar os vossos lábios, foi feito com o gesso que o Oleiro umedeceu com as Suas lágrimas sagradas."

Finalizada a leitura desses trechos, pus-me a buscar o melhor entendimento dos escritos de Gibran diante da dor que a partida dos entes queridos de tantas pessoas tem provocado por conta da pandemia. 

Na ignorância que carrego, assemelho-me a uma gota d'água no oceano para poder acrescentar uma vírgula que seja a essa sábia resposta de Al Mustafa.

No entanto, arrisco-me a dizer...

Seu médico está dentro de você. Suas frequências vibratórias poderão ser o remédio que te propicia a cura ou o veneno que te contamina, te adoece e, por conseguinte, te traz a dor!

SOUZA NETO, J. A. - nascido debaixo d'um pé de cacau, é Oficial Superior da Marinha do Brasil, professor e membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).   

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

UMA BANANA PARA O RACISMO

 UMA BANANA PARA O RACISMO 

Arranjei um tempinho para escrever sobre essa onda de preconceitos racistas que estão ocorrendo por aí. Em especial no Futebol. Aliás, não somente nesse esporte... Como em quase tudo nessas terras de Santa Cruz. 

Sinto-me bem à vontade pra falar do assunto... sou mestiço. Meu pai trazia muito acentuadamente os traços de sua descendência portuguesa; enquanto a minha mãe, marcantemente, os de sua origem indígena. 

No Brasil, o maior preconceito não é pela cor da pele; senão pela região de nascimento, pelo poder aquisitivo, pela humildade... 

Mas, isso incomoda a quem mesmo!?

Conheço gente que nasceu na roça debaixo d’um pé de cacau e galgou posições consideradas, digamos, de destaque por alguns. 

Dei risadas pelos cotovelos quando o baiano Daniel Alves descascou e comeu a banana que lhe foi jogada no campo durante uma partida de futebol realizada em um país europeu. 

Aos jornalistas, Daniel respondeu após o jogo:

“Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada”. 

O resto e mimimi! 

E viva a diversidade! 


Souza Neto, J. A. – Nascido debaixo d’um pé de cacau, na cidade de Canavieiras, Bahia – é marinheiro, professor e membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

SEM IGUAL

 

SEM IGUAL

Em que outro lugar...


É possível encontrar

Tantas belezas naturais:

Rios, praias, manguezais,

Belos e esvoaçantes coqueirais! 


Em que outro lugar... 

Essa gente, essa Terra;

Esse vasto céu anil.

Procurando não encontro

Noutros cantos do Brasil!

 

Em que outro lugar... 

Rica fauna, flora...

Belíssima! Sem igual!

Somente em Canavieiras.

E a riqueza mineral? 


Não me faça esperar...

Marinheiro, professor!

Diga logo, por favor.

Nas andanças de além-mar

Lugar tão belo encontrou?!

 

Sem delongas nem rodeios...

Ó caixeiro-viajante!

Que já viajaste bastante.

Nas bandas por onde andaste,

Lugar tão belo encontraste?! 


Com o coração em êxtase

Falo de Canavieiras.

Terra amada por seus filhos.

Ao largo, singra o navegante

A deslumbrar-se com seu brilho. 


A contragosto finalizo

Essa prosa fraternal.

Neste meu blog não cabe

Milésimo... muito menos metade

Das riquezas e belezas da minha Terra Natal.

 

SOUZA NETO, J. A. - nascido debaixo dum pé de cacau, é Pai, Marinheiro, Professor-Regente do Magistério da Bahia e Membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).

IMPACTOS DO REGRESSO

 IMPACTOS DO REGRESSO 

Júbilo e satisfação... voltei, revi, procurei...

Era junho de 2000; o povoado efervescia com os festejos a Antônio de Atalaia.

Defronte à singela orada, "surfando" minha face, os alísios vindos do Atlântico soavam como uma ode.

Sibilar emocionante a encharcar minh’alma de recordações dos tempos de menino.

Transcorrem os dias... Vem-me a percepção da realidade.

É visível o medo estampado na fronte de cada homem, cada mulher...

Meu aceno com o bom fruto e águas límpidas não fazia eco.

Parecia não haver sedentos que quisessem aproximar-se... e beber... e saciar-se.

Vi-me na encruzilhada do partir e do ficar.

Partir pela covardia de enfrentar... ficar pela necessidade de pagar a dívida social com o povo de Canavieiras, minha Terra.

Tomei a decisão mais difícil. Sentei-me nas encruzilhadas dos caminhos mais usuais. Aguardei maiores possibilidades de intercâmbio, trocas... Sem buscar recompensas.

Pus-me, expus-me diante dos poucos famintos e sedentos de saber e ansiosos por mudanças.

Quase nada a oferecer... apenas frutos do meu pomar, que não estavam podres, e um pouco de água limpa e cristalina, lentamente filtrada pelos anos.

Ousei, até ousei, imaginem! E por ousar rabisquei alguns textos.

Até disse, e ainda digo, que quatro páginas impressas era um jornal. O Aríete não tinha lado... nunca esteve “vendido”.

Senti, observei... Em alguns, vi reflexos de sensatez.

Teria encontrado quem quisesse comer do bom e maduro fruto? Beber e saciar-se da água pura?

Era cedo pra dizer. Minha necessidade em doar era maior que a daqueles que precisavam receber.

Minhas angústias eram pesados grilhões que me fortaleciam na perseverança e na busca de resultados.

Enfim, o estandarte estava desfraldado! Não havia mais possibilidades de recuo!

Pregava a defesa da moralidade e honestidade na administração pública; intencionava o banimento dos atavismos e o despertar da razão em todos os corações.

Com fibra e altivez, foi hasteado e mantido no topo das consciências; içado no ponto mais alto, onde o pensamento atávico, retrógrado não pudesse alcançá-lo.

Janeiro de 2009... Um pouco cansado de tudo... A mesmice campeando pelos quatro cantos...

Parti para dar abrigo aos anseios dos meus que reclamavam oportunidades de estudos mais avançados na cidade de Ilhéus.

No transcurso de 9 anos, minha vida foi uma gota de sangue nas veias de Canavieiras e uma lágrima nos seus olhos e um sorriso nos seus lábios.

Marchei com passo firme rumo à verdade. Como lâmpada que não se apaga, sal que o tempo não estraga, sonhos que o despertar de cada manhã não dissipa.

Trago comigo a certeza de que a muda do coqueiro plantado nas areias de Atalaia viverá mais do que todas as chicanas engendradas pelos políticos de minha Terra!

Que o carro de madeira puxado pelos bois na fazenda Barreiras é mais nobre do que todas as ambições dos mentecaptos do poder.

Que, até mesmo, as hortaliças plantadas nas terras secas da Burundanga durarão mais do que a pérfida negociata dos salafrários do poder contra meu povo.

Tentei reunir pequeninas sementes, que plantadas no solo fértil das Dragas, poderiam ter sido esperança de redenção de tua floresta seca. Mas, em meio a elas estava o joio!

Muitos estão satisfeitos. Eu sei. E haverá satisfação enquanto a inexorabilidade do tempo e a infalibilidade das Leis Universais não suplicar seus espíritos.

Eu – ainda que insatisfeito -, sigo com suavidade e paz, pois sei que há coisas em Canavieiras que os capadócios do poder nunca irão mudar:

O Rio Pardo continuará correndo para o mar ainda que alguns tentem represar suas águas;

Os ventos alísios continuarão o seu canto nas palhas dos coqueirais;

O vai-e-vem das marés continuará a dar vida aos teus manguezais.

Dia virá em que os falsos líderes, ambiciosos do poder temporal, que se sustentam às custas do suor alheio, terão o manto negro rasgado.

Dia virá em que a mentira escondida sob o véu das falsas inteligências e a astúcia disfarçada pelo esnobismo sucumbirão.

Então, a verdade genuína e desnuda olhar-se-á num poço de águas claras e verá seu rosto sereno e seus traços abertos.

Nesse dia, cada canavieirense sentir-se-á um sábio, que sentado à sombra dos coqueirais, olhará com indiferença para tudo que não é Deus, nem Luz, nem Sol! 

Souza Neto, J. A. - nascido debaixo dum pé de cacau, é Pai, Marinheiro, Professor-Regente do Magistério da Bahia e Membro da Academia de Letras de Canavieiras (ALAC).

terça-feira, 21 de setembro de 2021

O MENINO E AS LATINHAS

 Há pouco, postei uma prosa intitulada Maria.


"Maria", a personagem que protagonizou aquela prosa é de carne e osso.

No meu retorno à cidade onde nasci (Canavieiras), passei a observar mais amiúde tudo a minha volta.

No tocante aos aspectos socioeconômicos, olhava com certa atenção o modo de vida das pessoas mais necessitadas.

Descobri Maria!
Claro que não é esse o seu nome!

Maria se virava como podia...
Catava papelão nas ruas
Nas lixeiras remexia.
Pegava restos nas feiras...
E o donativo de um comerciante
De vez em quando recebia.
E assim, ia sobrevivendo...
A desafortunada Maria!

Maria criava sozinha três filhos. O maior com sete anos. Vou chamá-lo de "Menino das Latinhas", porque, a partir daqui, ele começará a protagonizar essa prosa.

Canavieiras, cidade que tem o turismo como uma de suas fontes econômicas, possui um extenso calendário oficial de festas.

Na madrugada de um determinado dia, quando curtia um show aberto, vi o filho de Maria de Canavieiras catando as latinhas de cerveja que os consumidores iam descartando nos coletores ou mesmo no chão.

Com muito jeito, me aproximei e iniciei um breve "interrogatório" com aquele menino.

Enquanto respondia, o "Menino das Latinhas" ia recolhendo e pisando nas latas antes de guardá-las em um saco de linhagem.

Nessa nossa conversa, fiquei sabendo que os depósitos de sucatas e recicláveis da cidade pagavam entre 1 e 1,5 reais pelo quilo do produto.

Naquela rápida conversa, o Menino das Latinhas disse-me que com dinheiro de uma noite conseguia comprar os gêneros para o café da manhã e ainda alguma coisa para o almoço da mãe e dos dois irmãos menores.

Continuando a nossa conversa, perguntei se era capaz de calcular o peso do material já recolhido. O Menino das Latinhas disse que sim.

Perguntei se venderia o saco de latinhas caso aparecesse alguém querendo comprar naquele momento. Ele disse que sim.

Voltei a perguntar se aquele comprador, depois de consumado o negócio, pedisse para ele ir pra sua casa dormir ele concordaria. Assentiu meneando a cabeça.

Concluindo aquele "negócio", entreguei ao menino o dobro do valor que ele mesmo calculara.

Quando ele ia saindo feliz, deixando o saco de latinhas eu falei:
- "Ei! E as suas latinhas?"
Ele retrucou:
- "Acabei de vender p'ro senhor!"
- Então, tá! - respondi e fui dizendo:
- "Por favor, venda-as a outra pessoa por mim e fique com o dinheiro!"

Essa história, foi escrita e salva no meu computador com o título "O Menino e as Latinhas". Mas, antes de publicar, eu perdi todos os meus arquivos.

Ainda não se armazenava nada em "nuvem". O meu computador travou e nem a Info Help, loja especializada em informática, conseguiu salvar meus arquivos.

Claro que a narrativa anterior era um pouco diferente, tanto nas palavras quanto na precisão dos dados.

Souza Neto, J. A. - Nascido debaixo d'um pé de cacau na cidade de Canavieiras, Bahia,  é pai, marinheiro, professor - peladeiro nas horas vagas - e membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).  

MARIA

 Maria


Maria vai à feira, pra comprar o quê?
Maria vai com as outras, Maria sem vontade.
Maria não acredita, já não há verdade!
Maria ainda vive, mas viver pra quê?

Maria vitimada pela falta de Deus no homem.
Maria carpideira, chora, teu filho tem fome.
Maria vai à rua, perambula, olha a vitrine.
Maria desvalida, excluída,  aura sublime.

Maria sofrida, Maria aflita, Maria de dores,
Maria sem socorro, sem ajuda, sem flores.
Maria que chora, inconsolada carpideira,
Maria sem eira, Maria de Canavieiras.

Ilumina, ó Aparecida, Santa Maria!
Olhai a sofrida, desvalida, excluída Maria!
Ó Esplendorosa Virgem Mãe, Ave Maria!
Tem dó dos rebentos da pobre terrena Maria!

Maria madrugada, nas primeiras horas de pé.
Maria indaga, desolada: “...e agora, que será o café?”
Maria sem despensa, sem crença, nada no bolso.
Maria de novo pensa:  “...Deus, que será o almoço?”

Andrajosa vestida, raia o dia, rota Maria;
Vielas e guetos, vagueia, anda, roda Maria.
Angelical e pura, desventurada, bendita Maria.
Bondosa ternura, no coração, palpita Maria.

Vítima da indecência da “elite”, que insiste,
Na ganância impensada, persiste e seduz;
Valorosa Maria, morre, mas não desiste...!
No coração do Pai, és eterna Divina Luz!


(Souza Neto (novembro de 2003)

Souza Neto, J. A. - Oficial Superior da Marinha do Brasil, professor aposentado do Magistério da Bahia e membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).