Chico Buarque e Milton Nascimento, num belo dia de inspiração, compuseram "Cio da Terra". Mais a frente, tem um vídeo montado com essa música. Mas, tenha calma... não clique ainda nele! Antes, quero que você leia um pequeno trecho de algumas bobagens que escrevi assim que retornei a esta nossa, riquíssima, Região Sul da Bahia.
Para justificar a escolha desse vídeo, fui lá, em "Meus documentos" e copiei isto, que escrevi em 2002:
LAMENTOS (2002)
"Pisando a terra fértil, eu tenho fome.Estúpida contradição! Haverá outro nome?Debaixo do pé de coco, eu tenho sede,O tempo passa, a vida me consome.
Frutas, legumes, verduras do capixaba,Aqui não dá, a terra fértil, rica, molhada.No quarto escuro, engulo a sede e bebo a fome.À beira da fonte, água me sufoca, terra me consome."
Já contei neste Blog que nasci por estas bandas, contudo, ainda muito jovem... um dia...
"Botei a viola no saco,Coração despedaçado,Olhos cheios de lágrimas,Parti sem um abraço..."
Mas, isso é parte de outros delírios meus.
Você deve estar tentando me lembrar que postei um vídeo e estou fazendo muitos rodeios... Acalme-se! Assistí-lo agora não tem graça... Se é que você ainda não o fez!
Eu preciso levá-lo até o Rio Grande do Norte. Ainda que você nunca tenha ido lá, pelos estudos de Geografia a que foi submetido no ensino fundamental, deve ter uma leve noção de como é.
Depois de mais de 30 anos no Sudeste e antes de voltar pra está fertilíssima região sul-bahiana, morei na cidade de Natal. Minhas filhas foram estudar na UFRN e as acompanhei. Fora dos momentos de estudos, essa "minha turma" - toda de cariocas da gema -, só queria saber de duas coisas em Natal: praias e forró pé-de-serra. Nos fins de semana, reviravámos todos os cantos de Natal e cidades vizinhas: Parnamirim (Praias de Pirangi e Búzios), São Gonçalo do Amarante, Extremoz, Maracaju, Nísia Floresta, São Miguel do Gostoso, São José de Mipibu, Macaíba, Ceará Mirim, Touros e Tibau do Sul (Pipa). Com o "saco cheio" de tanta praia, dunas, passeio de bugre, camelos e noitadas de forró, tomei uma decisão. Cheguei um dia em casa, reuni a turma e fui dizendo: "Nesse final de semana não tem praia nem forró certo! Nós vamos conhecer os 'cafundós' do Rio Grande do Norte!"
E assim foi... Saímos bem cedo. Pegamos a estrada na direção de Currais Novos e Caicó. À medida que avançávamos sertão adentro, o verde da paisagem ia sendo substituído pelo cinza da vegetação seca. Chegamos a comentar que teria sido uma paisagem como aquela a inspiração para o Graciliano Ramos escrever "Vidas Secas". Até podíamos "ver" o vaqueiro Fabiano, a Sinhá-Vitória, os meninos, quando esporádicamente avistávamos alguns "pés de gente". Até mesmo uma cadela magra e esfomeada, mas tratada como "gente" pelos donos, podia ser confundida com Baleia - a da história do Graciliano.
Seguíamos caminho... O chão da estrada, embora de asfalto, era muito irregular em determinados trechos, o que fazia da nossa viagem-passeio um "cruzeiro de catinga". E não tínhamos pressa mesmo! Ao longo de alguns quilômetros, atravessamos diversas pontes. Nelas se liam placas com os nomes dos rios que tinham por objetivo facilitar a transposição: "Ponte sobre o Rio Jacu I", "Ponte sobre o Rio Jacu II". Desses dois "Rios" lembro-me muito bem! Até porque não consegui vê-los! Uma das meninas, olhando para baixo e não vendo água, tascou a pergunta: "Pai, onde está o rio, que não vejo?" - "Filhona, em algum dia, algum mês, algum ano, alguma época... por baixo dessa ponte deve ter passado um rio, mesmo que tenha sido por pouco tempo. Aí, resolveram construir essa ponte." Respondi, "cheio de conhecimento".
Por muito tempo a paisagem foi essa: uns poucos caboclos na beira da estrada, meninos jogando barro nos buracos em troca de algumas moedas, vegetação seca e muita poeira. De repente... Caramba! Não acreditávamos no que os nossos olhos estavam nos mostrando! Estamos vendo miragens! Pensamos. Ao longe, tudo parecia verde... Fomos nos aproximando... Eram enormes fazendas verdinhas naquele fim de mundo seco. Tão seco que nem o diabo devia passar por lá, imaginávamos. Paramos para conhecer. Eram cultivos de frutas irrigadas. Côco, caju, melancia, melão... Melão do tipo conhecido lá como "japonês"... o mais doce que já experimentamos. Fomos informados que a irrigação era feita com águas dos açudes e não se podia desperdiçar nem uma gotinha. Por isso mesmo o sistema utilizado era denominado "gotejamento". A água chegava até a raiz de cada planta por uma mangueira e nesse ponto tinha um furo que ficava gotejando ininterruptamente. Dali em diante, os trechos de estrada eram alternados entre belíssimos "oásis de frutas" (esse nome fomos nós que demos) e lugares secos e muito tristes, que lembravam o vaqueiro Fabiano e sua família, incluindo Baleia.
Bem... a narrativa dessa viagem-passeio no semi-árido potiguar só interessa até aqui.
Tento explicar:
Quando deixei Natal (passei apenas um ano lá) e vim para esta região Sul da Bahia eu não entendi nada! Como era possível termos tantas terras férteis, um regime privilegiado de chuvas e comermos verduras e legumes plantados no Espírito Santo? Esse era (e ainda é) o meu maior questionamento. Hoje, já sei a resposta, mas não devo falar sobre isso agora pra não alongar mais essa prosa.
Vou finalizar chamando sua atenção para o trecho da prosa "LAMENTOS", acima transcrito, e (se você ainda não assistiu) para o vídeo abaixo.
Agora, tente entender porque Euclides da Cunha criou o bordão "O sertanejo é, antes de tudo, um forte", provavelmente inspirado na vida dos moradores de Canudos e adjacências. Compare esse sertanejo de Euclides com os potiguares que cultivam as terras secas do Rio Grande do Norte. Depois, tente entender o "porquê" de ainda não tirarmos o máximo proveito de nossas terras, mesmo em condições muito mais favoráveis que as dos sertanejos citados, o que nos obriga a transferir nossas divisas para um Estado vizinho e a deixar de gerar emprego e renda aqui mesmo.
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