segunda-feira, 23 de maio de 2011

FAL, MEU INSEPARÁVEL AMIGO!

Era começo dos anos 70... eu já estava morando no Rio.  O dinheiro do meu velho avô aqui na Bahia tinha criado asas.  Suas pequenas fazendas de cacau haviam sido penhoradas por um banco (não vou citar o nome) onde ele tinha pegado uma grana para custeio e não pode pagar.  E lá... lá na Cidade Maravilhosa, eu era "custeado" pelo velho Cazuza, meu avô.

Foi assim que tive a oportunidade do primeiro contato com FAL. Um conhecido, que era Fuzileiro Naval, me diz: "Cara, por que você não entra pra Marinha?"  "É melhor do que voltar pra Bahia, com uma mão na frente e outra atrás!"  Até que a idéia não era tão ruim assim... pensei.  Seguindo a orientação do amigo, no dia 7 de abril de 1970, ingressei nas fileiras do Corpo de Fuzileiros Navais.  -  os "pragas amarelas", como são conhecidos pelo pessoal da "Marinha de Gola".  Não sem antes realizar um concurso, claro.  A concorrência já era grande naquela época!

Assim que cheguei no Batalhão, passei por toda aquela transformação "natural" que faz um "paisano" virar "milico". Como (quase) todo mundo conhece a sutileza do processo não vou perder tempo contando. 

Não demorou muito e eu fui apresentado a FAL. Seu nome completo de batismo é Fuzil Automático Leve. Sua nacionalidade é belga e seu calibre 7,62 milímetros.  Jamais imaginei que iria ter um amigo estrangeiro tão depressa no Rio.  E o que é pior, deveria mantê-lo permanentemente nas mãos, no ombro ou cruzado junto ao peito, próximo ao coração.  Isso, quando estivesse em vigília, pois, quando  dormindo, deveriamos dividir a mesma cama (beliche).  Esse meu mais novo e inseparável amigo tinha características muito próprias: 1,10 metros de estatura, da soleira da coronha à ponta do cano, pesava 4,200 Kg com a "barriga vazia" e era capaz de "vomitar" 120 "pombos sem asa" por minuto numa velocidade de 840 metros/segundo.  Era preto de cabo a rabo. A única coisa que destoava na cor era as entranhas, de alma totalmente brilhante e raiada.

A amizade por FAL foi tanta, que decidi ficar nas fileiras dos "pragas amarelas" por 30 anos. Porém, nesses 30 anos, tive que cometer algumas infidelidades com o amigo. Com menos de um mês, me apresentaram INA, uma brasileira que "vomitava pombos" mais rapidamente do que FAL. INA  era uma submetralhadora dengosa e, também, toda pretinha.  Seu nome era derivado de "Indústria Nacional de Armas". Mas, tinha uma mania que eu não gostava: engasgava de vez em quando, especialmente, quando tinha que "transar" uns balaços com maior rapidez. Quando eu enfiava o dedo de forma mais acentuada em seu ponto "G", ela sempre "travava".

Não demorou muito, e eu fui sendo apresentado a outras...  Meu amigo FAL ficava um pouco enciumado, mas, não tinha jeito... Fazia parte da vida dos "pragas amarelas", conhecer e flertar com todas aquelas beldades.  Podia precisar se safar com uma delas num momento de sufoco, quando a "jiripoca piasse". E, naqueles tempos bicudos, no Rio, a "jiripoca" sempre "piava"!  

Tempos depois, fui obrigado a conhecer COLT 45.  Uma balzaquiana, nascida nos Estados Unidos, que provocava grande impacto entre os fuzileiros, pois o calibre de seu "alimento" era mais grosso, e, quando botava pra fora, fazia estragos irreparáveis. COLT 45 fora a amante preferida dos oficiais aliados durante a 2ª Guerra Mundial.

Depois vieram outras apresentações, novos amigos e novos amores. Armas como FAP -  Fuzil Automático Pesado  -; THOMPSON, uma "menina" fabricada nos EUA e que rivalizava com  INA, dentre outras, como as de grosso calibre, como os Morteiros, os Canhões Anti-Carro e os Lança-Rojões. 

Aconteceu o momento de ser apresentado a BERETTA. BERETTA era muito charmosa, carregava 15 "bombons" de uma só vez e possuía dupla-ação.  Ela veio pra desbancar COLT 45, que tinha uma idade avançada, mas não reinou por muito tempo. Foi logo substituída por TAURUS PT92AF,  lindíssima garota gaúcha, do Rio Grande. Também "engolia" e "cuspia" 9 milímetros, tinha a mesma capacidade de BERETTA e também funcionava em dupla-ação.

Ah,ia esquecendo...   Também tive um caso amoroso muito sério com MAG, quando fui do Pelotão de Petrechos.  MAG  -  a Metralhadora Automática a Gás   - esse  era seu nome completo. Pesadona e muito eficiente. Tinha a mesma nacionalidade de FAL e FAP  -  a Bélgica.  MAG possuía um impresionante poder de  "fogo"  -  até mil "azeitonas"  em um minuto!  Acima de tudo, era versátil. Deixava-se possuir em várias posições: a tira-colo, nos momentos de assalto, ou confortavelmente acomodada sobre um tripé, nas situações de defensiva. 

Nesses 30 anos nos "pragas amarelas", tive muitas "amantes", mas nunca abri mão da amizade com FAL. É que, muito cedo, descobri que FAL era o único que não me deixava "na mão"... Não "negava fogo" nem mesmo quando as circunstâncias eram altamente desfavoráveis: depois de mergulhado na água ou mesmo recoberto de lama...  FAL estava sempre pronto para o que desse e viesse...

Mesmo depois que fui apresentado e tive um leve contato com AR-15 e AK-47  -  espécie de primos carnais mais novos de FAL  -, não dei muita bola pra eles.  Havia uma grande amizade entre mim e FAL. Nada podia mudar isso.  Tinha com ele uma extraordinária consideração.  Além disso, FAL  confiava plenamente em mim e eu nele.  Mexia sem cerimônias em todas as suas partes.  Éramos tão amigos que eu o desmontava e montava em poucos minutos e até com venda nos olhos. Percebia suas peças apenas pelo tato; retirava-as e as colocava no lugar. Além disso, perdemos a conta das vezes que dormimos no mesmo bivaque, na mesma barraca, dentro d'água, no meio do mato...  Passamos pelos mesmos perigos... Juntos... sempre juntos! Quantas vezes guardei-o entre pernas, outras preso pela bandoleira, às vezes a tira-colo, enquanto dormia!? O medo de sermos surpreendidos um longe do outro era maior do que tudo, por isso o chamego. E, naquelas circunstâncias, um sem o outro não era nada! Chegamos a uma tal intimidade que, quando eu o mandava acertar o centro do alvo, ele não me decepcionava... era mosca na certa!  A sinalização que vinha lá do  fosso onde ficavam os alvos indicava: cinco pontos em cada disparo! Nunca demos "banho de areia" nos marcadores que ficavam abrigados nos pés dos alvos da Linha de Tiro. Por isso, minha mãe nunca era xingada por eles. Meu FAL foi responsável por me tornar um atirador de "1ª Classe" e respeitado nas fileiras dos "pragas amarelas". Hoje, meu amigo, você  -  caso ainda não tenha se "aposentado", como eu  -  deve estar em outras mãos...  Espero que bem cuidado, como antes... na base do óleo lubrificante nas quantidades certas nas partes móveis e bem sequinho, com flanelas e varetas, na alma raiada!

Souza Neto


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