Vindo ao mundo por intermédio de uma família de cacauicultores radicada
em Canavieiras, ainda menino deixei estas
"terras do sem fim" para,
literalmente, singrar por outros mares. Pra dizer a verdade, a propalada
"Terra da Esperança" nunca exerceu
fascínio sobre mim. Tinha outros sonhos... Sonhos que não podiam ser
realizados por aqui! Eu sabia... Foram então, por essa busca, trinta e um preciosos anos na Cidade Maravilhosa. No começo, o dinheiro do
cacau foi fundamental, mas depois perdeu a serventia.
Há pouco mais de dez anos, reencontrei-me com minha Terra, minha gente...
Desde o primeiro dia do retorno, pus-me, como uma espécie de
pseudo-psicólogo, a observar e tentar relacionar o comportamento dos
sujeitos locais com o estágio de desenvolvimento sócio, econômico e
cultural dessa nossa região.
Nesse retorno... Cerca de oito anos em Canavieiras e um pouco mais do que
dois aqui (em Ilhéus). Não obstante a diferença populacional entre
as duas cidades, um grupo de pessoas que as habita mantêm as mesmas
características. Convencionei chamá-las de
"enclausuradas". Enclausuradas no
tempo e nas tradições locais.
Gente que ainda vive como se ainda estivesse no usufruto das benesses do
cacau e das mesmas condições de vida e relações humanas com aqueles que
eram desprovidos de terras para o cultivo do
"fruto dos deuses".
Gente que não sabe o que terá na mesa para a próxima refeição; que come
"jabá" (quando tem) e arrota caviar!
Gente que aprecia declinar nome e sobrenome antes de estabelecer
diálogos...
Gente que não conseguiu romper o cordão umbilical com o modelo
patriarcal; que não buscou nem atingiu a emancipação; que não galgou o
estágio de independência necessário à própria evolução!
Gente que preferiu o atavismo à libertação das próprias mentes!
Gente que preferiu reduzir a pujança da vida a uma farsa, uma
mentira!
Gente, de corpo presente, no alvorecer da segunda década do terceiro
milênio, com as mentes agrilhoadas na metade do século que passou!
É aí que, nessa mania de elaborar pseudos diagnósticos de perfis
psicológicos, começo a buscar uma relação entre o atual estágio de
desenvolvimento social, econômico e cultural de nossa sociedade com esses
comportamentos de
"clausura" mental.
A inspiração para escrever essas bobagens veio de um recente diálogo com
uma pessoa que fazia parte da chamada
"elite" dos que (como os meus) tinham
muitas terras e cacau e, hoje, nada mais possuem. Diferentemente da
maioria dos que conheço nessa situação - incluindo familiares
meus -, essa senhora é de uma humildade, um altruísmo e um
desapego aos bens materiais extraordinários. A pessoa de quem falo, hoje sobrevive de fazer
doces e salgados por encomenda. Não a conhecia até o momento de
necessitar dos seus serviços. Acompanhado da minha mulher, entro na
sua residência - um casarão antigo situado no centro de um
enorme terreno murado e numa das mais valorizadas áreas de Ilhéus. Ouço,
bem baixinho, o som de um piano. Curiosa, minha acompanhante
pergunta:
"Quem está tocando piano?"
Diante da pergunta, a dona da casa começa a desfiar um pouco de sua
vida.
"Você nem imagina... Toquei piano durante muitos anos... - Mas, que mudança, hein! É
interrompida pela minha acompanhante.
- "É, minha filha... Era nos bons tempos do cacau... Tínhamos
muitas fazendas. Cheguei a ter mais de dez pianos! Não
tinha muita noção do valor das coisas... Dinheiro era o que não
faltava! À medida que um piano apresentava defeito comprávamos
outro! Depois, veio a quebradeira, e desde então passei a fazer
salgadinhos... Além da renda dos salgados, eu alugo parte da
propriedade (a casa é um sobrado).
E a gente vai vivendo, né!?"
O som do piano vinha, na verdade, de um "micro-system" que reproduzia um
CD no cômodo ao lado.
Vi nessa mulher o exemplo de alguém que soube adaptar-se à nova
realidade. Muito diferente de gente que conheço e vive atrelada ao
passado e achando que ainda está vivendo nele. Como disse antes:
"enclausurada". Apesar disso, o
tempo não pára. O tempo continua, inexoravelmente, passando... É
implacável! Enquanto isso, esquizofrenicamente, são muitos os que preferem
manter as próprias mentes agrilhoadas num tempo distante! Retomo a minha
mania de analista para "constatar" que
o "conflito", a
"grande armadilha", a
"tocaia", não estão mais no
caminho dos "jurados de morte", mas
nas mentes... "Diagnostico" que os
gananciosos e poderosos que, no passado, faziam as leis, hoje fraquejam
diante da menor dificuldade, preferindo encarnar o drama
"Perdidos na Velha Ilusão".
E todos pagam por isso!
(Souza Neto - 21 de abril de 2011)
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