Quando recordo das atividades realizadas, no Brasil, pelos marxistas, me vem a lembrança um colega de escola e de serviço militar. Ele passou a ser para mim apenas o Cabo Bruno. Em 1964, juntos, havíamos feito o Curso de Formação de Cabos Combatentes – CFCC, na 2ª Companhia de Fuzileiros, do 17° Regimento de Infantaria, em Cruz Alta – RS e, na terra natal, havíamos sido colegas de estudo.
Depois de passarmos para reservistas, Cabo Bruno foi cooptado por militantes do movimento baseado na ideologia marxista, que passara a estabelecer ações clandestinas em diversos pontos do Brasil.
Um dia Bruno apareceu em Panambi e convidou: - “Elio, eu estou aderindo ao movimento marxista, que é clandestino. Farei adestramento para ações terroristas e práticas de guerrilha. Não quer nos fazer companhia?”.
Respondi prontamente: - “Nunca tive afinidade com a ideologia marxista e não reconheço qualquer serventia para as pretensões deles!”.
28 anos depois...
Somente em 1993 tive novamente notícias deste colega de escola e de serviço militar, quando Bruno apareceu em meu apartamento, na Vila Militar do Comando da 5ª RM/5ª DE junto a Praça do Atlético, em Curitiba – PR.
Ele ficou quase um dia inteiro, era num feriado, hospedado em minha casa. Desejava ajuda financeira por estar em precária situação, até de saúde. Para me tocar na alma, falou de sua trajetória como guerrilheiro e das ações terroristas realizadas entre 1965 a 1975. Falou sobre como ele escapara milagrosamente em meio a perseguições, protegido sob o nome falso de Pedro Nabuco.
Ele que era um loiro de pele branca e origem alemã escolhera um codinome estranho.
Bruno explicou que, quando a sua célula terrorista foi desmantelada pelas Forças Armadas Brasileiras e o seu chefe eliminado, ele decidiu mudar-se para o Chile por algum tempo. Lá encontrou espaço no movimento marxista e logo conheceu uma jovem chilena, com a qual se uniu. Contou que tiveram duas filhas. Quando Allende caiu, Bruno deixou a esposa e filhas, para trás, e veio se esconder no Brasil.
Chorando ele disse: - “Eu soube, anos depois, que a minha companheira foi presa e eliminada, por ser uma militante ativa do movimento marxista”.
Fiquei curioso e quis saber: - “E as tuas filhas? Conseguiste trazê-las ao Brasil?”.
Ele respondeu: - “Elas foram entregues para alguma família chilena e adotadas, recebendo outros nomes. Foram consideradas órfãs abandonadas... Ninguém conseguiu me informar sobre o paradeiro delas...”.
Naquele dia Bruno continuou sua viagem, para seguir até Panambi – RS na intenção de rever seus meio irmãos, que eram filhos que a mãe dele tivera em um novo casamento, depois de se tornar viúva.
Nunca mais eu haveria de reencontrar Cabo Bruno. Quando na Rodoviária ele se despediu, ainda falou: - “Elio, tenho inveja de ti pois que tu conseguiste na vida, tudo o que eu sempre desejei. Eu sonhei ser, algum dia, um oficial do Exército Brasileiro. Escolhi em 1965 o caminho que imaginei ser o lado certo, para galgar postos, mais depressa, promovido por bravura e por heroísmo. Sonhei com a tomada do poder no Brasil e como então teríamos ao nosso dispor o Tesouro Nacional, para tomarmos as rédeas, traçando um destino marxista para a nossa nação”.
Não fui delator...
Quando contei este fato a amigos eles imediatamente perguntaram: - “Você não delatou o Cabo Bruno ao Serviço de Informações do Exército, quando ele te procurou em 1965?”.
Jamais passara pela minha cabeça a ideia de delatar Cabo Bruno por causa do convite que ele me fizera, para aderir ao movimento marxista. Conforme meu pensamento eu imaginei que isso certamente apenas havia sido um rompante do momento, pois ele sempre havia sido pessoa de atitudes inusitadas e inesperadas, algumas desastrosas para sua vida estudantil.
A verdade é que após 1965, ele realmente sumira na clandestinidade. Eu jamais teria vindo a saber o que se passou nesses quase 30 anos, se ele não tivesse vindo à tona nessa visita à minha morada.
Para encerrar, eu digo: Bruno Schneider tornou-se, no meu entender, a imagem do jovem, ingênuo mas ambicioso, iludido muito facilmente.
Ele se deixou dominar pelo canto das sereias que o enfurnou no mar da desilusão sem fim. Ou então se deixou dominar pelo canto do urutau, que o levou para o meio da mata densa da mais escura perdição, para uma clandestinidade, onde se viu cercado pela falsidade, na perda do próprio nome, na perda da fé e dos seus mais sagrados princípios, sem sonhos reais e verdadeiros para, no final, chegar à perda de si mesmo.
Bruno alegou nunca ter sido encontrado pelas forças de repressão, mas é preciso dizer que ele também nunca mais se encontrou a si mesmo. Foi terminar os seus dias como alguma sombra de alguém ou sombra de si mesmo, esquecido por todos, até pelos que o cooptaram e o iludiram, para ingressar naquela viagem sem destino, prisioneiro de um mlni Hades – pequeno inferno -, criado em sua mente e, que o passou a assombrar, para sempre, em sua alma conturbada .
Elio Müller é coronel capelão do Exército e já está na reserva. eliomuller@uol.com.br
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