domingo, 4 de dezembro de 2011

A VIAGEM

Hesíodo
A noite estava calma.  Naquele dia fui cedo para a cama e não demorei a dormir. Durante o sono, recebi a visita de um amigo.

Embora não tivesse recebido qualquer tipo de aviso, eu já tinha a intuição da sua visita.  Afinal, não foi a primeira nem seria a última vez que Hesíodo (1) me proporcionaria esse tipo de assistência.  Suas visitas periódicas, da mesma forma que faz parte do meu esclarecimento, também representa o aperfeiçoamento espiritual de Hesíodo.  É uma missão para ele, enquanto estiver na erraticidade.

Após breve diálogo e cumprimentos, Hesíodo me conduz pelo espaço, para o alto.  

- Vamos, você pode! Use seu pensamento!  -  disse-me ele.

Eu já estava acostumado com aquilo, mas sempre ficava hesitante no começo.

Volitando, fomos nos afastando do ambiente terreno. À medida que nos afastávamos, via meu corpo físico deitado na cama, no interior do meu quarto. Continuava lá, ao lado do cônjuge, mas somente em matéria.

Preocupo-me em "me deixar" só e também à minha companheira.  

Lendo meus pensamentos e percebendo minha apreensão, meu Instrutor diz: 

- Não se preocupe! Você está lá, aqui e também ali! - Disse Hesíodo olhando para o meu corpo dormindo, tocando-me ao seu lado seguindo viagem pelo espaço e com o indicador apontado para uma direção cuja visualização ainda não me era muito clara. 

Durante a viagem, cruzamos com vários grupos formados por espíritos encarnados e desencarnados. A identificação dos encarnados  -  como eu  - me era fácil: pelo laço fluído que permanecia ligando-os ao corpo físico, como sempre acontece nessas situações de desprendimento temporário do cárcere carnal. 

Percebendo meu interesse no que via, Hesíodo disse: 

- São todos Instrutores acompanhados de seus respectivos aprendizes!

Mal Hesíodo acabara de fazer aquela observação, fomos transportados com a velocidade do pensamento a um lugar belo e harmonioso e, aparentemente, muito distante do orbe terreno. 

O lugar era o cume de uma enorme montanha.  De lá de cima, podíamos avistar tudo o que se passava embaixo: lugares, caminhos, pessoas, animais, acidentes geográficos naturais e construídos pela ação do homem...  Parecia um ponto qualquer da Terra, onde um grande vale se estendia até onde a vista humana podia alcançar.

E eu via tudo aquilo extasiado. Era como se uma enorme tela de cinema estivesse estendida aos meus pés, há poucos metros dos meus olhos, como ocorre nas salas de projeção em três dimensões.

Olhando para aquele cenário, meu cérebro foi invadido por indagações. Para cada dúvida que ia surgindo, uma interrogação.

Hesíodo, conseguindo ler todos os meus pensamentos, dispôs-se a explicar-me. 

Primeiro, me perguntou:

- Você já conseguiu se ver na paisagem?! Lá no fundo do vale?!

-  Já! - Respondi e fui acrescentando: - Só não entendi muito bem por que a parte da paisagem situada à minha frente está encoberta por uma espécie de névoa que me impede de enxergar com clareza tudo o que está lá!

- Veja bem!- Volta a explicar Hesíodo. - A parte iluminada a sua retaguarda é o caminho que você já percorreu nesses 61 anos de vida.  Você, certamente, consegue se lembrar da maioria dessas passagens?  

- Consigo!  

-  Então..., a parte que está à sua frente, sob uma leve penumbra, é o caminho que lhe cabe ainda percorrer!  É o futuro...!  

-  E isso me será mostrado agora!? - Indaguei, num misto de ansiedade e receio. 

- Não da forma que você deseja.  -  Disse-me Hesíodo sem rodeios.  -  Somente o que lhe seja útil de agora em diante para o seu progresso.  -  Concluiu meu Instrutor.

E continuou:

-  Antes, quero que você analise o que já fez: as decisões tomadas; os acertos; os erros; as escolhas equivocadas e precipitadas, geralmente, influenciadas pelo apego às coisas materiais, às ambições, aos prazeres mundanos...

E o meu Instrutor, calmamente, foi me explicando tudo:

- Preste atenção! Veja que a cada tomada de decisão você tinha mais de uma opção para fazer sua escolha. Com seu livre arbítrio, você fez aquela que julgou mais acertada para o momento, mas, na maioria das vezes, seguindo em primeiro lugar seus interesses pessoais, menores e imediatos. Analise cada uma dessas escolhas! Perceba que você não levou muito em consideração aqueles que estavam à sua volta; que poderiam ser prejudicados e/ou beneficiados, de acordo com a decisão tomada...

Era como se eu estivesse assistindo um filme contendo uma retrospectiva da minha vida. Exatamente assim, tudo que via estava limitado a esta vida. Não me era permitida a apropriação de ocorrências de vidas anteriores. 

E eu estava lá! Dentro da tela...  Não apenas me via naquele vale, eu estava nele física e espiritualmente! Percebia tudo que se passava... Sentia vontade de regredir a determinados instantes do passado para uma reavaliação e mudança de escolhas já feitas. Mas, isso não seria possível  - eu sabia.

Continuei fazendo a análise proposta por Hesíodo... 

Constatei que em muitos momentos, equivocadamente, fiz opção pelo caminho mais fácil e que atendia aos meus desejos materiais.  Muitas das escolhas foram ditadas pela praticidade do conhecido e o receio do novo e desconhecido. Escolhas que, muitas vezes, levaram-me a enfrentar contratempos e dissabores que não somente atingiram a mim, como também a pessoas que estavam ao meu lado e que faziam e ainda fazem parte do meu círculo familiar e de amizades. Evitara os caminhos acidentados e montanhosos, cheios de obstáculos, pelo medo de transpô-los, e me iludi com a facilidade da estrada plana e bem pavimentada. Não tive a percepção de que aqueles obstáculos faziam parte das provações assumidas e que, por isso, deveriam ter sido enfrentados  -  transpostos, removidos ou equacionados...  Iniciei um instante de reflexão: "Deixei-os para trás! Um dia deverei retomá-los. Quando!?  Somente a Providência Divina saberá dizer...!" 

Hesíodo nem precisava ler meus pensamentos, meu semblante lhe dizia tudo.  Traduzia claramente todos os meus sentimentos naquele momento.

- Agora, tenha bastante atenção! 

E Hesíodo foi, aos poucos, descortinando as paisagens e os caminhos que se encontravam enevoados à minha frente.

- Vês aquele caminho à sua direita?  Você está prestes a percorrê-lo; se optar por ele, claro. O certo é que ele estará entre as alternativas que lhe serão apresentadas futuramente. Em seu começo, você pode enxergar várias coisas que representam os prazeres materiais, as curtições, certo!?

Assenti:
- Certo!

-  Olhe um pouco depois... Pelo mesmo caminho, um pouco mais à frente!

Seguindo a recomendação do guia e amigo, pude ver que aquele caminho  -  cujo começo parecia, digamos, interessante - levava a situações embaraçosas, resultados pouco nobres e, fisicamente, mostrava precipícios e enormes despenhadeiros instransponíveis.  Por ele, haveria muito sofrimento e tempo perdido, pois seria obrigado a voltar para retomar novos compromissos e novas sendas, fazer novas escolhas. Ia ficando muito claro para mim que tudo estava subordinado a uma questão de escolha.  Uma escolha que era somente minha!

Compreendi que os caminhos que, inicialmente, poderiam exigir algum sacrifício e esforço  pessoal - renúncia, denodo, ousadia, coragem -, conjugavam-se com outros, mais suaves, à frente. Sobretudo, encontraria lugares e tempos para repousos temporários, onde abnegados amigos encarnados estavam dispostos a ajudar-me e a aconselhar-me com seu apoio, durante a caminhada. 

Esses caminhos eram entrelaçados, de forma que várias ligações intermediárias  -  espécies de atalhos  -, permitiam a comunicação entre eles. No final, o ponto a ser alcançado era sempre o mesmo:  o Reino do Amor e da Caridade.

Essa compreensão só me era possível porque eu estava ali, no cimo daquela imensa montanha, e vendo-me pequenino  - como verdadeiramente sou  -, no fundo daquele vale. Mas, sobretudo, porque meu abnegado e caridoso Instrutor estava autorizado a me  mostrar alternativas que desprezei ontem, além de outras que serão ainda vivenciadas  -  amanhã.

À medida que eu absorvia o ensino de cada lição, novas sendas iam sendo descortinadas por Hesíodo

Percebi que os caminhos, inicialmente mais difíceis, eram as escolhas mais acertadas.  Proporcionavam, com o exercício da solidariedade e da tolerância, o ganho de novas experiências em seus trajetos e, o que era mais importante, propiciava a prática do Amor com o próximo. E o que fazia o bem e a felicidade das pessoas, também me fazia feliz.  Percebi que a renúncia a determinados prazeres e ambições descabidas, representavam um gozo extraordinário em felicidade, tanto para mim quanto para os que me eram mais próximos. 

Antes de retornarmos  -  e eu havia perdido totalmente a noção do tempo  -, Hesíodo fez questão de apresentar-me a outros Instrutores e seus respectivos aprendizes, que ali se encontravam com a mesma finalidade.  

Desse modo, pude conhecer Argaios (O Iluminado), Adalta (A Espiritualizada), Óbulo (O Sábio Conselheiro), dentre outros expoentes da Espiritualidade Maior.

Ao nos despedirmos, já no interior dos meus aposentos, Hesíodo asseverou que quando do meu retorno ao corpo físico, esqueceria boa parte de tudo que havia visto naquela viagem. No entanto, todo aquele aprendizado permaneceria gravado em minha mente como uma lembrança intuitiva e indelével.  Jamais se apagaria! Toda aquela experiência poderia ser utilizada nos momentos de reflexão antes da tomada de novas decisões e escolhas importantes, daquele momento em diante!

Autor:  J. A. Souza Neto

(1) Hesíodo  -  Aquele que Guia.

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