sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O DIABO VAI À IGREJA

Por conta da quantidade de manicacas que carregava na parte frontal da gandola, recebeu o apelido de "Capitão Asa".  

O valoroso Sargento Fuzileiro era pau para qualquer obra.  Possuía os cursos de Pára-quedista, Mestre de Salto, Mergulhador de Combate, Comandos Anfíbios, Guerra na Selva, dentre outros. Quando a situação dava nó cego, era quase sempre requisitado para desatar.

Estávamos em Santa Catarina.  Acordamos muito cedo e começamos os preparativos: macacões de salto, coturnos, altímetros, bússolas, pára-quedas principal e reserva, armamentos, e assim por diante. Naquele dia, parte da missão consistia em realizar uma incursão com saltos livres, envolvendo o inimigo (figurativo) pela retaguarda.  No local das manobras havia algumas pequenas cidades. Uma delas deveria ser conquistada e ocupada.

Acordamos muito cedo.  Nossa previsão era começar as manobras às 07 horas.  Embarcamos num velho e possante Búfalo da nossa Força Aérea no Aeroporto Hercílio Luz e alçamos vôo. 

Chegamos ao objetivo. De lá de cima, a cidade parecia ainda menor.

Na hora prevista, o Búfalo começou a despejar fuzileiros navais pelo céu de Santa Catarina. 

O "Capitão Asa"? Não dava pra identificá-lo entre aqueles pontinhos no ar, mas estava entre nós!

Nosso ponto de aterragem era uma pequena clareira nas proximidades da cidade. Ao longo da queda livre buscávamos o máximo possível a aproximação do local.

Imprevisíveis ventos fortes teimavam  em levar nossos pára-quedas para o centro da área urbana.  Cada fuzileiro começa então o trabalho de correção da rota, comandando seus equipamentos.  O esforço era grande... a velocidade do vento aumentava... Alguns conseguiram tocar o solo bem próximos ao objetivo, outros nem tanto. 

Em situações como aquela, a primeira preocupação era safar-se das redes de alta tensão e realizar uma aterragem segura, onde quer que seja.  

Mas, e o "Capitão Asa"!?  

Logo que conseguimos nos reunir, demos pela falta dele.

Foi necessário mais algum tempo para que soubéssemos do ocorrido com ele. Recebemos o apoio de uma viatura e nos deslocamos para o centro da cidade.  Havíamos recebido a notícia de que o "Capitão Asa" tinha descido por lá em condições pouco favoráveis.

Chegando ao centro fomos orientados na direção da praça central, onde ficava a igreja.  Grande multidão se encontrava na pracinha em frente ao templo. Entramos.  Olhando para o teto da igreja pudemos visualizar o nosso companheiro, ainda pendurado pelos velames. 

O "Capitão Asa", com dificuldades em comandar seus velames, havia caído sobre o teto da igreja. Passou pelas telhas e pelo velho forro de madeira, ficando pendurado há cerca de 15 metros de altura do altar.  

Uma equipe foi designada para providenciar  o equipamento necessário para o resgate do "Capitão Asa" do teto da igreja.  A cidade não possuía Corpo de Bombeiros e, por isso, o "Asa" teria que ser resgatado por um andaime de obras. A equipe de salvamento lançou "mãos à obras", literalmente.

Enquanto essa providência estava sendo tomada, passamos a ouvir as versões dos populares.

Tudo aconteceu no momento em que a igreja estava cheia, disse um.  Era horário da missa matinal, afirmou outro.  De repente... ouviu-se um estrondo infernal que vinha do céu.  Parecia que o mundo estava desabando, disse um homem, ainda assustado. Quando olharam para o teto da igreja, viram uma figura vermelha que vazava o forro.  Primeiro as pernas, depois o corpo inteiro.  Começou então uma gritaria por parte das beatas: "Valha-me Deus, é Satanás!  É Satanás!"

É que o "Capitão Asa" utilizava um pára-quedas vermelho, cujas partes ficaram à mostra no forro da igreja. Em poucos segundos o templo se esvaziou e as pessoas corriam assustadas pelas ruas.  Alguém mais ponderado, compreendendo o ocorrido, veio à escadaria da igreja e tentou tranquilizar o povo:  "Calma gente!  É apenas um homem que está pendurado no teto! Deve ter perdido o controle do pára-quedas e acabou caindo sobre o telhado!"

Tranquilizado o povo e retirado o "Capitão Asa" daquele desconforto, dissemos ao nosso amigo que a partir daquele instante o grupo estava pensando em rebatizá-lo.  Ao invés "Capitão Asa", passaria a chamar-se "Satanás, o Profanador de Templos".  

Sacaneamos o cara durante toda a viajem de volta.  Mas, o novo apelido não pegou.  Tão logo chegamos ao Rio, voltou a ser chamado novamente de "Capitão Asa".

Nota: vale lembrar que o personagem herói da TV nos anos 60 era Capitão AZA (com "Z").

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