O Astro Rei estava totalmente encoberto por espessas nuvens negras.
Do céu, incessantes e finos pingos d'água teimavam em cair sobre Alécia.
Estávamos - eu e Adalta -, nos dirigindo ao aeroporto Jorge Amado para recepcionar um amigo vindo de muito longe.
Ainda no saguão, avistamos Diógenes no aguardo da liberação de sua bagagem.
Do lado de fora, pudemos ouvir a voz rouca do Diógenes dirigindo-se a um funcionário do estabelecimento:
- Cuidado! - Tem coisa frágil aí dentro... pode quebrar!
Adalta e eu nos entreolhamos e devemos ter pensado juntos:
- "Deve ser a tal lamparina!"
Eu mal podia acreditar! Em pouco, estaria diante de duas das mais expressivas e probas figuras da Grécia Antiga: Adalta, a Espiritualizada e Diógenes, o Filósofo que dedicou a vida na busca de um homem honesto, com sua lamparina!
E o que era mais importante: poderia dialogar com elas!
Assim que ultrapassou a porta que separa a sala de desembarque do saguão, o ex-discípulo de Antístenes acenou em nossa direção.
Nos aproximamos para recebê-lo...
- Olá, Adalta - disse Diógenes - Esse daí deve ser o Alethea de quem você tanto fala!
- Seja bem-vindo, Diógenes de Sínope. - disse Adalta, acrescentando - Sim, este é o grande Alethea!
- Olá, Alethea!
- Como vai filósofo?
- Tudo bem... mas, não me chame assim! - exclamou Diógens - Você já viu filósofo mendigando nas ruas e morando dentro de um barril?!
É que o Diógenes de Sínope, depois de ter deixado a companhia de Antístenes, passou a perambular pelas ruas de Atenas e Corinto, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Sua casa era um barril.
- Ora! mas isso é uma opção que qualquer um que esteja contrariado com os rumos da sociedade pode tomar, como forma de protesto! Ninguém, em sã consciência, deve cruzar os braços diante da corrupção! - Tentei justificar.
- É, você tá certo! Quando se está impotente diante de uma situação dessas, só resta o protesto! - assentiu Diógenes.
- Mas, deixemos os problemas atenienses pra lá! vamos ao que interessa neste momento... - disse Adalta, com certa ansiedade - O que o traz aqui em Alécia, Diógenes?
- Você não vai acreditar! Ganhei duas passagens aéreas e a estada de uma semana no Brasil! Foi num concur...
- Mas, por que a escolha de Alécia?! - interrompe Adalta.
- Andei lendo alguns contos de um escritor local muito conhecido por lá... Jorge..., acho que é esse o nome!
- Ah! o Jorge Amado! - exclamou Adalta.
- Sim, esse mesmo!
- Olha! talvez você não saiba, mas, o "Contador de Estórias" já silenciou! Ele agora está morando em outro lugar!
Disse e completei, perguntando:
- O que você espera encontrar por aqui?!
- Oh! quem sabe... algum outro homem honesto! Se não um escritor... quem sabe, um político!
- Hummm...! por isso que você trouxe sua famosa lamparina, né!?
- Ah! você conhece a história, Alethea?
- Como não!?
- Bem... é isso... vou aproveitar o tempo passado aqui em Alécia para iss..!
- Pois vai perder seu tempo! - interrompeu Adalta, com certa rispidez.
E foi completando:
- Aqui, você vai gastar todo o gás de sua lamparina e não irá iluminar uma fronte sequer de um honesto! Muito menos, se for político!
- Ma... - tentou ponderar Diógenes.
- E tem mais, caro Diógenes, em Alécia também não tem estátuas...! Ou melhor, tem somente uma... a de uma protistuta grega chamada Sapho. Não sei se você a conheceu por lá!
Como eu não estava entendo a razão de Adalta ter se referido a estátuas, perguntei:
- Adalta, e onde é que entra estátua nessa história? Diógenes só deseja encontr...
Adalta - interrompendo-me - apressou-se em explicar:
- Uma vez, em Atenas, nosso amigo Diógenes foi visto falando com uma estátua... e quando lhe perguntaram o motivo de tal conduta, ele respondeu:
"Por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém."
Levamos o Diógenes até a pousada indicada pela agência de turismo e, antes de nos ausentarmos, aproveitamos para deixar um conselho ao nosso ilustre visitante:
- Diógenes, sugerimos que você aproveite todo o seu tempo livre para descansar, tomar banhos de mar e provar da culinária local. - disse Adalta.
Prosseguiu Adalta, fazendo outro alerta:
- Tenha cuidado com a lixarada e os ratos que podem ser encontrados nas ruas! Não queremos que você volte para Atenas cheio de doenças!
- É... quando for a um barzinho ou restaurante, peça uma caipirinha! - completei.
Adalta, mais uma vez, alertou:
- E nem pense em ir a "Tabocas das Pedras Pretas"! Essa província vizinha a Alécia não é diferente! A canalhice e a esculhambação também reinam por lá!
- Nem utilizando todo o combustível do Gasene na sua lamparina, você encontrará um honesto em Alécia ou Tabocas! Especialmente, se for no meio político! - dissemos juntos.
Durante todo o tempo em que o filósofo Diógenes de Sínope permaneceu em Alécia ele seguiu nossa recomendação ao pé da letra.
Curtiu o quanto pode as belezas de Alécia e nem retirou a lamparina da bagagem!
Autor: Souza Neto - Escrito originalmente em 30/06/2011.
Souza Neto, J. A. - nascido debaixo dum pé de cacau, na cidade de Canavieiras (BA), é Marinheiro, Professor-Regente do Magistério da Bahia e Membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).
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