terça-feira, 28 de setembro de 2021

SOBRE A DOR

 SOBRE A DOR


Atendendo aos ditames vigentes nesses dias em que ainda se convive com uma invisível e mortal criação humana - nesta bela terça-feira em que o Sol nos brindou com com seus raios vivificantes e cheios de energia -, preparava-me para ir até a orla de São Pedro da Aldeia para a costumeira caminhada matinal apreciando a lâmina d'água da maior laguna de água salgada do planeta  - a Lagoa de Araruama. 

Abro parênteses para dizer que nos anos 70, quando fazia o curso de Educação Física, aprendi com o Kenneth Cooper que "a vida é oxigenação". Aqui, em San Pierre di la Vilage, caminhar na orla da lagoa é uma das melhores opções para se oxigenar pulmões e tecidos musculares.  

Antes de sair - e enquanto Gilma se aprontava -, dei uma remexida nos livros que ficam numa estante e - quase que por acaso -, peguei o clássico de Gibran Khalil Gibran, O Profeta. Um livreto de pouco mais de cem páginas.

O Profeta já fora um dos meus livros de cabeceira em tempos idos.

Quem o leu, sabe que a história se passa praticamente na praça de um burgo conhecido pelo nome Orphalese onde um homem sábio (Al Mustafa) que vivera no lugar cerca de pouco mais de dois lustros, havia decidido deixá-lo e estava prestes a embarcar no navio que o levaria de volta à sua terra natal.

Antes de chegar à  praça e estar entre a multidão, o Profeta conversa consigo mesmo:

"Como poderei partir em paz e sem tristeza?"

"Todavia, não posso tardar mais. O mar que tudo chama a si, está me chamando, e eu devo embarcar."

Na sua caminhada em direção ao porto, viu ao longe homens e mulheres deixando seus campos e vinhedos e apressando-se rumo às portas da cidade. E ouviu vozes chamando o seu nome e outros anunciando a chegada do navio.

Uma vez mais, o Profeta, introspectivo, perguntou-se:

"O que oferecerei àquele que deixou o arado no meio do sulco, e a quem paralisou as atividades de sua vinícola?"

Tão logo entrou na cidade, todas as pessoas vieram ao seu encontro.

Cercado pela multidão, na praça central da cidade e enquanto aguarda a chegada do navio, Al Mustafa dispõe-se a responder as perguntas do povo de Orphalese.

Folheando ligeiramente a brochura, lembrei-me que entre as vinte e seis respostas dadas pelo Profeta havia uma em que ele respondia sobre a dor.

Devido aos momentos em que vivenciamos com o vírus chinês, busquei esse capítulo, cujos trechos a seguir transcrevo.

"E uma mulher disse: Fale-nos da dor.
 
E ele respondeu:

 "A vossa dor é o quebrar da concha que envolve a vossa compreensão."
 
"Assim como o caroço da fruta tem de fender-se para que o seu coração fique exposto ao sol, também vós deveis conhecer a dor."
 
"E se conseguísseis maravilhar-vos com os milagres diários da vossa vida, a vossa dor não vos pareceria menos intensa do que a vossa alegria; e aceitaríeis as estações do vosso coração, tal como haveis aceite as estações que passam sobre o vossos campos."
 
"E passaríeis com serenidade os invernos das vossas mágoas."
 
"Muita da vossa dor é escolhida por vós.  É a poção amarga com a qual o médico dentro de vós cura o vosso interior doente."
 
"Por isso confiai no médico e bebei o seu remédio em silêncio e tranquilidade; pois a sua mão, embora dura e pesada, é guiada pela mão terna do Invisível, e o cálice que ele vos dá, embora possa queimar os vossos lábios, foi feito com o gesso que o Oleiro umedeceu com as Suas lágrimas sagradas."

Finalizada a leitura desses trechos, pus-me a buscar o melhor entendimento dos escritos de Gibran diante da dor que a partida dos entes queridos de tantas pessoas tem provocado por conta da pandemia. 

Na ignorância que carrego, assemelho-me a uma gota d'água no oceano para poder acrescentar uma vírgula que seja a essa sábia resposta de Al Mustafa.

No entanto, arrisco-me a dizer...

Seu médico está dentro de você. Suas frequências vibratórias poderão ser o remédio que te propicia a cura ou o veneno que te contamina, te adoece e, por conseguinte, te traz a dor!

SOUZA NETO, J. A. - nascido debaixo d'um pé de cacau, é Oficial Superior da Marinha do Brasil, professor e membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).   

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