quinta-feira, 15 de março de 2012

UM BURACO NEGRO

De que adiantarão os investimentos em curso se não houver uma preparação da força de trabalho local para assumir os cargos mais importantes dentro das novas estruturas de produção?
Escrevo esse breve ensaio não apenas para criticar e/ou denunciar mazelas, mas, para apontar caminhos, expor idéias e suscitar reflexões.

Vários são os indicadores do subdesenvolvimento. Dentre os mais notáveis, praticamente todos, são identificáveis na Região Cacaueira.  Longe da intenção de mencionar a todos, eis os mais me inquietam como filho destas Terras:

Exploração ao mesmo tempo insuficiente e predatória dos recursos naturais vivos, para a subsistência  -  Com o advento da instalação do fungo “vassoura-de-bruxa” nos cacauais, o uso dos recursos naturais vivos do bioma manguezal passou a superar em muito aos oferecidos pelas matas. Por outro lado, espécies nativas da Mata Atlântica tiveram a supressão deliberada visando a criação de pastagens.

Baixa escolaridade e qualificação média da mão-de-obra  -   Característica própria da atividade econômica da monocultura agrícola e da “cultura social” dominante, ainda hoje, não obstante alguns esforços governamentais, constitui problema gravíssimo a exigir considerável lapso temporal para ser erradicado. A taxa de analfabetismo é sem igual e alarmante quando comparada com o restante da Nação.

Desintegração e/ou insuficiência da rede de transportes – A anterior existência de uma rede ferroviária na região  -  hoje desativada  -, é assunto merecedor de profundas  reflexões. O projeto governamental que objetiva realizar a integração Leste-Oeste, transformando a região num grande pólo logístico é alvissareiro. No entanto, tem enfrentado resistências orquestradas pela “máfia verde” e não se observam manifestações robustas da sociedade a seu favor, face ao senso crítico ainda pouco desenvolvido de seus integrantes.

A esses indicadores somam-se outros que dispensam maiores comentários: 1) O acesso restrito da população a saneamento básico;   2) As precárias condições de saúde, educação e cultura;  e, 3) O grande percentual da população que se encontra abaixo da linha de pobreza.   Pode-se ainda acrescentar a ausência de exportação diversificada de produtos e a ausência (não tenho conhecimento de nenhum caso) de patentes registradas.

Não se tem a pretensão de comparar a Região Cacaueira com sociedades de países do chamado primeiro mundo.  Essa comparação deve ser feita com outras regiões/estados do próprio país.

Hoje, com raríssimas exceções, todas as Regiões Brasileiras vivem o mesmo momento histórico. Contudo, nem sempre foi assim. Ilhéus – e o mundão de terras que lhe pertenceram - estava na frente (ou deveria estar), considerando que sua ocupação por seres inteligentes(?) antecedeu a da maioria do restante da Nação. Seria natural, portanto, que estivesse vivenciando um estágio de desenvolvimento distinto das regiões que foram ocupadas depois. Quando escrevo “Ilhéus” refiro-me à Região como um todo, pois, desde os tempos de Capitania, abarcava tudo o que hoje se conhece como “Cacaueira”.

Além dos já citados indicadores, aqui encontram-se facilmente as características díspares e próprias do subdesenvolvimento: 1) Grupos sociais com alto poder aquisitivo ao lado de grupos paupérrimos e de baixa produtividade;  2) Ignorância ao lado da cultura; 3)  Eficiência tecnológica convivendo com o uso de métodos arcaicos e ultrapassados; e, 4) Riqueza vizinha da miséria.

Uma heterogeneidade ululante! Diria o Nelson Rodrigues, se ainda vivo estivesse. É exatamente essa heterogeneidade a marca mais distinta do subdesenvolvimento. No caso da Cacaueira, esse precipício foi originado e aprofundado por um sistema produtivo que não se difundiu e deixou de gerar e distribuir renda devido a sua estrutura social arcaica e injusta, cuja base era o latifúndio e a monocultura agrícola, combinada com um regime de mão-de-obra semi-escrava e servil.

Essa conjuntura injusta e impiedosa que se estendeu ao longo de mais de dois séculos, levou a uma produção de bens e serviços insignificante por habitante. Quando expressos em termos monetários, resultam num baixíssimo produto per capita; e, quando em termos sociais, numa precária qualidade de vida para a imensa maioria, ao lado de uma riqueza que pouquíssimos desfrutaram (esse me parece ser o tempo verbal mais adequado).

E os desafios locais nunca foram maiores do que os enfrentados por brasileiros em outras regiões do País. Muito pelo contrário. Dispôs-se de um território com características e potencialidades bem mais favoráveis do que em outros rincões que hoje ostentam níveis de desenvolvimento muito superiores aos daqui.

Nesses últimos tempos, assiste-se a um momento histórico ímpar e que poderá promover a superação do subdesenvolvimento. São os grandes investimentos na infra-estrutura de transportes e de prospecção e exploração mineral, tanto em terra quanto no mar. No bojo desses empreendimentos, certamente, virão novos investimentos em outras áreas, como tecnologia, comunicações, produção de bens e serviços, etc.

Entretanto, essas novas demandas irão encontrar alguns gargalos herdados da “sociedade coronelista”. São problemas cuja solução exige média e longa maturação e não podem, por isso, ser resolvidos da noite para o dia. Dizem respeito à oferta de mão-de-obra qualificada e especializada, quase sempre, dependente de novos e maiores investimentos em Educação, Saúde e, até mesmo, em Cultura.

Aponto para esse obstáculo tocado pelo sentimento de não querer presenciar a “importação” de profissionais qualificados de outras regiões em detrimento dos trabalhadores locais, por falta de preparo e treinamento.

De que adiantarão os investimentos em curso se não houver uma preparação da força de trabalho local para assumir os cargos mais importantes dentro das novas estruturas de produção?  

Corre-se, portanto, o grave risco de se ostentar as condições econômicas ideais de crescimento e desenvolvimento sem que os benefícios advindos possam ser capitalizados pelos que são da própria Região! Precisa-se de “capital humano” local! Que se abram bem os olhos, a fim de que não se tenha um nível econômico estável com uma população miserável!

Se nada for feito  -  e pouco se observa de mudança e investimentos nas áreas educacional, de saúde e cultural  -, não obstante o inquestionável crescimento, haverá um custo humano e social elevadíssimo para a imensa maioria da população. E, como acontecia no regime latifundiário da monocultura do cacau, ter-se-á uns poucos "super-ricos" e distantes e alheios aos conflitos, que tenderão a se agravar cada vez mais na esfera social.

Colocadas as devidas preocupações, em um contexto geral, e devidamente apontados alguns caminhos, resta-me elocubrar sobre o que  -  para mim  -  seria inimaginável (sem trocadilhos), caso se venha a “perder o bonde da história”: o riso sardônico dos “eco-espertos”  da máfia verde movidos a soldos e interesses exógenos, que hoje digladiam contra o desenvolvimento da Região. Esses mesmos que ora defendem a permanência de um dos principais indicadores do subdesenvolvimento local: “A exploração ao mesmo tempo insuficiente e predatória dos recursos naturais vivos”.

Souza Neto

SOUZA NETO, J. A. - é  Oficial Superior da Marinha do Brasil, Professor-Regente do Magistério da Bahia e Membro da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC).

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